Oswald de Andrade. Determinação, ideia, abstração, identificação: itens correlatos.
A determinação é o que leva você a fazer aquilo, algo, e não o inverso, como aparentemente a palavra significou-se. Determinação é sujeito que tem consciência do seu existir. O denotativo sentido da palavra está atualmente invertido. Talvez a matemática o tenha invertido numa função, numa matriz, numa integral... têm-se que decompô-la... não é necessário encontrar a sua determinante, mas sua derivada.
Determinação é atitude resoluta, ação com sentido, ação com sentido definido; moralmente-filosoficamente, ação com sentido bem orquestrado, orientado, justo, belo, bom... Filosofica-esteticamente, é algo (cor)relacionado ao necessário, não contingente, existir de forma não necessariamente relacional.
E "ideia" nada mais é do que aquilo que pode ser inteligido; assim é a determinação... determinação pode (ou deve) ser um sinônimo de ideia. Ideia é forma, é essência inteligível... E as coisas são inteligíveis do mundo real.
Isto é, uma abstração se eiva do mundo real, não do ideal. Pois o mundo ideal é a abstração, a forma inteligida, intelectual do real. É busca da essência, que é ou contém o real, que é o ideal, a ideia. Exatamente, só se tem (só se pode ou deve) ter ideia de algo, pois não se pode (ou deve) agarrar uma essência, pois ela é intangível.
Neste sentido, comentemos uma frase: segundo Oswald de Andrade, para "Jean-Paul Sartre há uma operação idealista e redução de espírito à matéria na teoria marxista-leninista."
Afirmamos esteticamente, toda abstração não é nada-mais-nada-menos do que uma inteligência sensível. Pois, a inteligência é aquilo que se retira, idealiza do mundo material, que só pode (ou deve, usemos daqui em diante como sinônimos) ser sentido. Assim, o mundo se realiza nas ideias e estas, por sua vez, são reflexos do que é inteligível.
Portanto, separar razão e emoção é um erro crasso e clássico (iluminista, na verdade). Pois, só se deve (pode) ser racional, ser abstrato, se se intelege, se se sente, se se utiliza a inteligência para abstrair, subtrair do real ou material, o ser, que em essência subjaz pangeico.
Assim, do mundo real as coisas são abstraídas e ao terem sua forma idealizada tornam-se essenciais ou originais, e retornam como matéria, ou espírito. Mas matéria de pensamento. Portanto ideia, espírito.
Logo, não existe geração, gene ou genética como sobredeterminante, mas existência intersubjetiva: todas as relações de vida ou formas existenciais são codependentes e irmãs.
Daí a fundo, a genética pressupõe cópia e inovação, e a gênese idem. Então se tem criação, inovação, desenvolvimento, evolução ou outros sinônimos do que é vivo. O movimento precede, Parmênides nos alertaria. E não se trata de processo porque o espaço e o tempo não precisam existir. O espaço e o tempo não contêm a existência, ao meu ver. E um processo só existe num espaço e tempo indefinidos. Um paradoxo. A razão é quem precisa existir. (Ela existe em espaço e tempo algum? ela existe em si própria apenas? é o solipsismo?) Por isso ela se descobre existindo quando duvida do seu existir, ela se quer provar real.
Quer dizer, uma coisa sendo real, materializada, pode ser idealizada, se tornar ideia. E não apenas o inverso como comumente se tem. E não é diferente com a própria razão: para se afirmar como soberana precisa existir e persistir.
Estamos vivendo um mundo no qual estes conceitos foram invertidos em seu sentido.
A ideia parece abstração da ideia, mas ela é abstração do real. Então, se o real, o material não existe, como destruir as forças que nele se embatem, como destruir, por exemplo, o Estado? O Estado é uma constatação do real, sua ideia ou forma organizada. É para gerir a sociedade, e é por ela gerida e gerada. O Estado pode existir mínima ou maximamente, mas ele existe necessariamente. Subtrai-se o Estado, tem-se o fim da sociedade. E o que quer a revolução, que em sua etimologia significa retorno ou giro ao redor de si, é o fim do Estado? Logo, o fim da sociedade como presente?
Viver na selva, talvez. Viver à baila da natureza. Caçar. Retorno eterno ao mundo estéril e sêmico, platônico e idealista. Ou viver no mundo real?
Assim, "Jean-Paul Sartre denuncia como operação idealista e redução de espírito à matéria na teoria marxista-leninista.", dizia-nos Oswald de Andrade. É esta operação que se dá por um processo metafísico que operaciona uma nova transcendência e esquece-se da autocrítica e da função, do método a rigor.
O método torna-se meramente assessório (invento) cartesiano. O mundo espartanamente subdividido e loquaz não se ouve ou se enxerga. Volta-se para a intersubjetividade que reconhece o espírito como matéria aplainada. Portanto, à razão superior, Deus pode ser esfacelado, e encarado face a face à sua real existência. Daí a hermenêutica leva a revolução do sistema. O que se esqueceu nesse ínterim foi que a revolução é consevantista: ela quer a tomada do poder por todos, mais ou menos como a mensagem cristã, ou messiânica que elege a unicidade do ser na trina pessoa da consciência própria: geradora, criada, igual; ou subjetiva e racionalmente absoluta, paternalista, e irmã. Como o Pai, o Filho e o Espírito Santo na ordem alternada.
Esse ser absoluto, proletário, progressista ou burguês que albaroa (escombrídeos que são) e abarroa o Estado, esquecendo-se de sua força criadora de consenso e pedido de ordenamento, é caótico e crê na matéria desordenada. Mas, à medida que vê a racionalidade absoluta imperando, contradiz-se e elege um semideus até para supinar a vontade da maioria e o controle pelo povo. O deus-razão. Logo, quer um retorno ao poder porque se vê alijado dele. É como um desejo daquilo que não se tem. Vimos isso nos chamados momento de crise.
Mas o objeto de desejo só pode ser realizado porque visto e sentido como detentor de verdade, bem, justiça e todos os valores ideais duma sociedade humana, religiosa ou ateia; sociedade cujo único Deus polimorfo é a individualidade compartilhada, ou a coletividade virtualmente segmentada. Tem-se que um favor é um estupor. E o egoísmo é um desenvolvimento do Eu, seu alter-ego necessário, pois precede sua existência, não a prescinde.
De todo modo, quer-se virtualmente revolucionar o mundo material o transformando em abstração ideal sem se perceber que o que se abstrai, se abstrai do material, sendo sensível, utilizando a inteligência para inteligir e projetar.
Assim nasce o reino da subjetividade pura, o ser chamado "outro" se tem como existindo de forma independente e puramente capaz, e a ajuda ou partilha torna-se dificultosa no segundo paradoxo aqui elementar.
Então, acredita-se, no limite, no fim do Estado porque se esquece de seu papel cementador ao auxílio dos mais desafortunados. Tem-se que o existencialismo é superior e a relatividade coroa o mundo impessoal. Esquece-se das mensagens de solidariedade.
Diante disso, freudianamente, o ego é engolido pelo superego, e o recalque, o negativo, a anulação, o isolamento se tornam amigos do masoquismo; o qual inverte sentidos, e valores, metamorfosea-se, transforma-se no seu contrário sem o querer, pois se volta contra si mesmo quando se esquece do ser outro. Quando, suicida, não pede ajuda, mas afoga-se a sós. Como na transformação ou metamorfose de Kafka, Apuleio ou Ovídio.
E neste mundo mecânico, clássico, quântico, atrasado, ordenado, racional, relativo ou revolucionário e todo ele conservador, a única inovação possível é o Eu. Porque ele, o Eu, é em si mesmo preceptor da realidade em conjunto: apenas se realiza quando se identifica: só se tem como existindo se em relação com outro, ainda que o outro seja seu espelho, seu alter-ego, ou sua cara-metade gregamente partida. Portanto, é um problema grave quando sequer se vê o outro; como cegos seletivos, ou mesmo a cegueira inconsentida de Saramago.
E se o Eu se questiona a tudo chegando ao divino, se deifica. E nota que suas
existências e fruições são meras ações reflexivas e irrefletidas. Agora são as
cópias (por neurônios-reflexos) que são refratadas, e contém-se todo impulso ao
infinito o afirmando objetivo, teleológico. E a vida, como um vírus, torna-se
subreptícia. Desimportante diante da magnitude do self (outro eu). Porém,
o self perde a própria noção de identidade e existência quando
se olha no espelho e não se vê repetido, mas repartido, como esmerilhado por um
mundo segmentado. Vide Clifford Geertz.
Deste modo, temos seres individuais, que não se reconhecem como irmãos, mas como infinitos no próprio objetivo; que não se comunicam mas brigam; que não se auxiliam mas disputam o poder. Mal sabem que o poder inexiste, subscrevo Bourdieu.
Padece-nos, portanto, determinação para não ver falta, mas completude em um quebra-cabeça. E o que se tem, segundo Oswald, é que a figura do pai está sendo substituída pela sociedade. Talvez retornemos ao matriarcado.
Por fim, Oswald arrebata: “... O que se tenta pelas formas audazes ou dissimuladas da filosofia contemporânea é restaurar, através do existencialismo, da axiologia, da fenomenologia e mesmo do marxismo-leninismo, o Ser como tal em seu trono absolutista...", ou seja, algo paternalista... distinto do desejo de retorno ao matriarcado. Como costumo dizer, tendemos, ao avançar no tempo, a voltar para o passado.
Y.C.O. 15/02/2013
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