A crise e a corrupção: sistemas atávicos ou atavismos sistêmicos
“Crise política!” Lê-se nos
jornais. “Crise econômica...” Já está na boca do povo. Ocorre que ambas as
crises são sempre momentâneas e oriundas de uma falácia do sistema, e de uma falácia sistêmica: a
crise política parece encadeada por fatores relacionados à corrupção e ao mau
uso do dinheiro público por parte de governantes e a crise econômica é a ela
ligada e à quebra de empresas e de confiança. Acontece que para a balança ser
equilibrada são precisos pratos adjacentes com pesos idênticos: se há o
corrupto, há o corruptor; se há distribuição de riquezas das massas, há quebra
de maciços do capital. Ocorre, ainda, que o meio muda a velocidade de
propagação da mensagem. E o meio no qual se encontram corruptos e corruptores é
líquido, enquanto a vida geral pulula pelo ar, sólida. A velocidade das trocas
das mensagens nos meios é descompassada, e no meio do caminho informações são
distorcidas e/ ou perdidas. As medias
também têm seu papel crítico. O crítico crítico melhor seria. Logo, as crises ocorrem quando os atores políticos mais poderosos estão insatisfeitos e exageram na ganância.
Numa palavra, para manterem-se em seus meios,
políticos corruptos e corruptores do sistema atuam de forma coordenada e em
sintonia jamais imaginada por aqueles de fora do meio menos lamacento, nas
bolhas de ar. O sistema político-capital é engrenado e não enredado. As trocas em rede direta inexistem e perdem conteúdo e
validez a cada mudança de meio. O sistema entra em crise graças à pontos fora
da curva, e à peixes fora d’água: aqueles que de alguma forma desobedeceram
alguma regra de conduta tacitamente aceita. Os seres normais desta história são
seres que se adaptaram para sobreviver em meio aéreo, e de fato apenas isso
fazem: sobrevivem em bolhas. Sentem falta de mais ar e pensam que não têm muito
tempo: têm pressa de viver. Enquanto que a classe dos seres engrenados mantém-se
viva porque, no mundo líquido de práticas de lógica capitalista em que todos
vivem e que dominam como peixes, a política se mercantilizou. O que era
privilégio de poucos se tornou desejo de todos: a política ligada ao capital
perdeu qualquer viés, se deturpou. Estão engrenados políticos e capitalistas e
estão desengrenadas as pessoas
normais. Assim, temos uma constatação e um paradoxo.
Percebe-se
que exatamente quem tem mais pressa pelo fim das crises à vista ou mediatizadas somente as visualiza
extemporaneamente, quando a mensagem muda de meio e pede solução para crises do e no meio líquido. Este por sua vez é
composto de seres normais mas que se tornaram especiais, políticos, e diferentes
dos peixes fora d’água das bolhas, são aves que têm longo fôlego para, depois
de observar em planos de voo, mergulhar em tal meio líquido e caçar suas presas,
com o intuito de sobreviver e poderem então retomar ou aproveitar a vida aérea -
para ficar com uma primeira imagem. Aqueles que vivem nas bolhas, portanto,
pela diferença da velocidade de propagação da mensagem nos meios distintos
demoram a perceber a gravidade da situação e de forma desorganizada tentam
buscar soluções, as quais seriam paliativas ou reclamação ad infinitum caso não politizadas à contento.
Ocorre, no entanto, que tais
crises são criadas artificialmente e real-conjunturalmente somente dentro deste
sistema-mundo-líquido onde as classes políticas deturpadas têm um valor para
fazer continuar a rodar as engrenagens do sistema onde o aparato do Estado
tenta minimamente controlar os movimentos do capital. Mas este estando presente
num mundo paralelo, virtual, sem fronteiras, pode, a qualquer momento, migrar se
não encontrar as condições favoráveis para a sua vida e manutenção: com os
fluxos de capital há também os fluxos de pessoas. E tudo isto faz com que os Estados
sejam também benfazejos ao capital, pois creem que este faz girar o-mundo-como-o-conhecemos
e minimamente querem manter as pessoas ordenadas. O capital é o peixe-ave da
primeva imagem. É onipresente.
Em uma outra imagem, o capital é
como um timão, e os políticos são marinheiros ou marujos mais ou menos experientes, e
as pessoas normais... bem... já assistiram (a)o Titanic (1999) e jogam-se na água fria torcendo para a sorte. O Titanic é o sistema
do capital, por onde navega, opera e manobra o capital. Nesta outra imagem, o capital
atua numa quádrupla-fronteira: navio, timão, oceano e mapa do mundo sem destino
fixo. Quem controla o timão deste navio tem que ler o mapa do capital, ver o
que dizem suas coordenadas e ainda tomar cuidado com os arrecifes, icebergs e
outros acidentes naturais e aumentados do capital, evitando ainda severas
tormentas, instabilidades artificiais e naturais, crises, em uma palavra. Nesta imagem, os
marinheiros-timoneiros-políticos para garantirem a vida de suas tripulações e
as suas ficam de mãos atadas com o capital, e sempre atuam vislumbrando a previsão
do tempo, feitas por analistas politico-econômicos, analistas do mercado do
capital.
Então, o capital faz acordo com a
classe política e a classe das pessoas normais para ser sustentado e fazer crer
que deve sê-lo, tanto pelas pessoas normais quanto pelos políticos. Estes
dependem da sua sobrevivência enquanto políticos e aquelas são levadas a crer
que a culpa das crises é justamente de seus representantes, quando tais
representantes, na realidade, são pessoas normais, mas que se tornaram especiais,
pois, políticos, e escolheram quase todos se aliar à classe do capital, seja
por ideologia e crença de mudança pela infiltração ao meio, seja por conhecer as benesses do
bem-viver do puro capital. Desta forma, os atavismos sistêmicos são
consolidados e surge um paradoxo que retroalimenta crises: a corrupção é vista
como vilã máxima de todas as classes. A visão dentro e fora das bolhas está embaçada.
Quer dizer, diz o paradoxo que é
a própria corrupção a moeda de troca para fazer valer, para fazer continuar
girando a engrenagem no sistema engatado e ela é cegante: para movimentar o timão e rodar o
mundo são precisas mãos e pensamentos coordenadas na direção. E com o sistema
engrenado em seu perfeito funcionamento há a criação de desigualdade, com
aumento da pobreza, redução de salários, perda de direitos, precarização trabalhista, leis cada vez mais
protetoras dos de dentro do sistema líquido e excludentes aos de fora, e
esquemas se aperfeiçoando aos encalços das leis populares ou ordinárias. O paradoxo do sistema
líquido diz-nos que quanto mais as leis tentarem ir atrás dos corruptos, mais
estes se especializarão em fugir delas, pagarão bons advogados, protelarão,
aperfeiçoarão as técnicas para burlar as leis e se aliarão aos detentores de
capital corruptores, para pedirem dinheiro em forma de lobby, propina e corrupção com o respaldo de aprovarem leis beneficentes a ambas
classes: a manter a ordem atávica do sistema. Não há saída dentro do sistema.
Então é explicado: a reprodução
do sistema só acarreta mais crises, estas são oriundas de vaidades e malfeitos,
e se são buscadas soluções em outros meios, pelo ofuscamento de visão, demora e desvio da mensagem e expertise inerente acabam por beneficiar em
contrapartida aqueles que se dizem representantes do povo, mas que na verdade
atuam mancomunados ao capital e de forma atávica: não é à-toa que existem
heranças políticas e econômicas. Herdeiros de famílias políticas e de
detentoras de capitais se revezando à baila do poder. Assim, a solução para as crises de fora e de dentro dos
sistemas dos Estados do Mundo, sejam eles democratas, republicanos, monarquistas, legais, líquidos, gasosos, sólidos ou airosos
é apenas uma: soluções internas nos meios internos e influências recíprocas nos
demais meios que deixem uma coisa clara: a preservação do status-quo é a permanente
ordem do dia. Em mundos mais progressistas, só se pode mitigar os atavismos
sistêmicos; em mundos mais fascistas, criam-se heróis salvadores de pátrias.
12/6/2016
12/6/2016
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