"Sonho é destino". "Dream is destiny". You do it to yourself, you do, and that's what really 'happens'. "Tudo que não invento é falso."

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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Primeiro era o verbo, primeiro era a interpretação; e no fim, também.

Primeiro era o verbo, primeiro era a interpretação; e no fim, também.

 Nosso pequeno mundo se esconde por símbolos e signos, ícone e ídolos (eikon, real, representante do divino, do verdadeiro e eidolon, imagem, sombra, aparência, phantasma¹) e a todo momento fazemos as traduções, as interpretações. Como agora, ao ler este texto. Fazemos as interpretações porque as coisas do mundo não nos são dadas de imediato, mas a inteligência de cada ser consegue desvendar cada mistério que lhes é peculiar.

 A própria verdade pode ser nada mais do que um mito?, indicado por uma interpretação? Não digo "a interpretação", senão estaria sendo presunçoso, e não deixando margens a outras interpretações. No entanto, deixo uma questão que me parece limitante: a verdade é um mito deste mundo?

 A humanidade vive mitos. O mito, por definição, não pode ser questionado. O mito é sempre sustentado por ritos, e rituais. E a ciência, por incrível que pareça, é o seu último ou atual rito sustentáculo. Pois, a todo momento, com ela ou sem, procura-se pela verdade: a mente sã o faz e a insana também; a científica, idem. E nos perdemos nas interpretações, e nos maus julgamentos. Lembramos: interpretar não é julgar. Interpretar é sentir a verdade e expô-la. O julgamento é algo posterior. Então, nesta busca incessante pela verdade, seguimos traduzindo símbolos, interpretando signos, e sustentando mitos.

 Deste modo, é possível se perguntar se os motivos que levam alguém a mentir, sabendo que toda mentira é fruto da má-fé mas é autorreveladora e consciente (no limite, a mentira contém a verdade de não se saber a verdade), não são os mesmos motivos que levam alguém a procurar pela verdade? Quando se busca a verdade, se percebe que ela está sempre presente, mas escondida. Quando se mente, já se conhece a verdade (o existir da), mas a prevalência de escondê-la evidencia-se. Mostra-se superior.

 No entanto, quando se interpreta, se quer a verdade, escondida e transfigurada por símbolos, signos, ícones,  sentidos... Quer-se encontrar aquilo que se parece esconder aos desavisados, distraídos ou mesmo despreocupados. Digo isto porque somente quem percebe o real por detrás de um fenômeno e sente a necessidade de conhecê-lo é arguto intérprete. É arauto do conhecimento e é um ser destemido (afinal, que é maior do que a coragem de expor o real?). O que não quer dizer que os distraídos ou desavisados sejam tolos, apenas têm outro interesse no fenômeno em questão: têm também outra interpretação.

 Evidente, escrevo para um público-alvo amplo, e me pergunto se quem pratica as artes cênicas já não se deparou com esta minha constatação como sendo óbvia, ou falha. Pois, se a verdade é um mito bem sustentado e também uma interpretação, quem trabalha encenando sabe que sua busca pela verdade se fundamenta no seu conhecer da não-verdade, do erro. Quer dizer, somente quem sabe amiúde o que é falso pode se atrever a desmascará-lo e buscar e tentar expôr o real, o verdadeiro; pode agir com locução verbal para encontrar o real: buscar tentando, ou tentar buscando. A matemática da geometria já demonstra o real, o divino: se há um lado visível, há necessariamente outro lado, por vezes invisível.

 E, então, tem-se a dificuldade de transmitir o real:  o real parece mais escondido, desaparece, no mundo de mercados. O real da ciência está numa revista, à venda nas bancas. O real não está gratuito no google. O real da filosofia está nos grandes tratados, ilegíveis porque por demais codificados. O real das artes cênicas está com os grandes atores, nem sempre bem remunerados porque traduzir a realidade pode parecer cruel à algumas culturas...Percebe-se, então, que, de fato, o real está codificado, significado, simbolizado, tem um sentido e precisa ser demonstrado. O real é phainesthai¹. Mas não precisa ser desmistificado.

 Não precisa ser desmistificado porque é justamente o mistério do mito o que inspira a consciência curiosa a descobri-lo, desvendá-lo, traduzi-lo. Ou, em uma palavra, interpretá-lo. No início, o signo ou símbolo tinha conotação religiosa; atualmente a conotação é sequiosa, é perdida e busca em si mesmo um significado. Mas como significar o próprio significado? Por isso o grande questionar da humanidade sobre o sentido das coisas parece uma tônica invariante. Não se sabe que o sentido atribuído é o sentido real. Quer dizer, a própria verdade é a própria interpretação. E invertendo os adjetivos e substantivos temos o mesmo sentido: a verdade própria é a interpretação própria. Simplesmente: a verdade é uma interpretação.

 Alguns filósofos, talvez niilistas, diriam: tudo é a interpretação do falso, porque não se pode conhecer o real absoluto, o ser-em- si, o sentido ou ideal da verdade, o verdadeiro. Pois se se conhece isto, se conhece Deus. Mas será que não é aí que Ele está? O nirvana talvez não seja este achado, esta epifania? Esta percepção de que o real é interpretação? Inclusive a mais cética das ciências, a matemática, também utiliza símbolos para representar algo que deve ser o real, e estes símbolos são todos eles convenções as quais só têm sentido quando decodificados por seus conhecedores.

 Portanto, no início, a verdade estava no verbo, e o verbo sublimou, evanesceu, deixou de passar a mensagem diretamente para ter um intermediário pela linguagem, pelos códigos, pela interpretação, pela palavra. (Mas palavras são só palavras, questionaria um cético Shakespeare). No entanto, o último código, o cifrão, parece querer esconder as verdades últimas; mas perceba, a verdade é uma interpretação. E só se tem uma boa interpretação quando se conhece o máximo das contingências que tangenciam um fenômeno.

 E sim, tangenciam, pois não se pode atingir em cheio a constante da verdade, porque ela não é especial ou relativa como a velocidade da luz e a entropia do universo, mas mitológica, portanto sustentada pelo saber ser inatingível.

 Em suma, a verdade é inatingível devido ao fato de sua compleição ser perfeita à mitologia. Repito: o mito, por definição, não pode ser questionado. Adiantando-me aos fatos, a perfeição verdadeira inexiste neste mundo, ela é também um fenômeno mitológico à compreensão do real. Ora, a apreensão da realidade com compreensão desse fenômeno é advinda de um ideal. Porquanto este ideal é mitológico, a verdade enquanto perfeição, idem é ideal. Então, atentemo-nos: o mundo ideal de Platão fora baseado no mundo real, e não o inverso. Logo, há uma equivalência evidente: o mundo da verdade, do real, é o mundo de um ideal, e a interpretação é somente a busca desse mundo real, dessa verdade.

 Assim, a verdade nunca será alcançada a contento para não se finalizar o mito, para poder continuar existindo. Fecha-se o ciclo. Na verdade, é mais um ciclo virtuoso do que um círculo vicioso. E a interpretação prossegue...mística, mítica e com reticências...
 


¹ do francês arcaico "fastosme", " um sonho, ilusão, fantasia/ aparição, assombração, fastasma;  diretamente do latim "phantasma" , " uma aparição, espectro" do grego "phantasma", " imagem, espectro, aparição; mera imagem, não realidade, vindo de "phantazein", "tornar visível, mostrar" da raiz grega "phainein", " trazer à luz, fazer aparecer; trazer para a luz, ser visto, aparecer, explicar, expor, denunciar,, parecer ser; de raiz do sânscrito "bha", "brilhar, de "bhati", "brilho, resplandecer"....

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Quem sou eu (em agosto de 2012, pois quem se define se limita, dizem)

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Mais preocupado com a criatura do que com o criador. Existem perguntas muito complicadas. Existem respostas muito complicadas. Existem pessoas que não são complicadas. Existem pessoas que tentam complicar. Eu sou aquela que procura entender; complicando un peu primeiro para poder descomplicar. Quero dizer: se eu entender o problema de forma completa, poderei encontrar a solução mais correta, eu acho. Um sonhador, dizem. Mas não creio apenas em sonhos. Gosto mesmo é da realidade, empírica ou não. Gosto de estudar sociologia e biologia. Sou acima de tudo, e pretensamente, um filósofo, no sentido mais preciso da palavra: o sentido do amor a sabedoria, ao saber. Mas a vida é para ser levada com riso e seriedade. Sabendo-se separar uma coisa da outra, encontraremos nosso mundo, nosso lugar, nossa alegria. Nossa Vida, com letra maiúscula! "o infinito é meu teto, a poesia é minha pátria e o amor a minha religião." Eu. Um ídolo: Josué de Castro; um livro: A Brincadeira (Milan Kundera) ; um ideal: a vida.